Livro: Um universo em suas mãos.


Aos Exploradores do Mais Ilimitado dos Universos.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Emily Dickinson (10/12/1830 - 15/05/1885)

http://www.ibilce.unesp.br/#!/departamentos/letras-modernas/emily-dickinson/mais-traduzidos-most-translated/
Tradução de Olívia Krähenbühl
A tradução dos versos entre parênteses é minha. Desde já peço desculpas.



Because I could not stop for Death,
He kindly stopped for me;
The carriage held but just ourselves
And Immortality.

We slowly drove, he knew no haste,
And I had put away
My labor, and my leisure too,
For his civility.

We passed the school, where children strove
At recess, in the ring;
We passed the fields of gazing grain,
We passed the setting sun.

Or rather, he passed us;
The dews grew quivering and chill,
For only gossamer my gown,
My tippet only tulle.

We paused before a house that seemed
A swelling of the ground;
The roof was scarcely visible,
The cornice but a mound.

Since then 'tis centuries, and yet each
Feels shorter than the day
I first surmised the horses' heads
Were toward eternity.
Fazer convite à Morte eu não podia: Ela foi quem mo fez, só de bondade... Na carruagem, nós duas só havia – ... e a Imortalidade.
Ela, pressa não tinha: íamos indo... Mas, antes, pus de lado Horas de ócio e labores, retribuindo Seu trato delicado... Atrás ficou a escola, onde meninos Numa arena brincavam de valentes... O prado, com seus grãos contemplativos, O próprio sol no poente...
(Na verdade, ele por nos passou, Aumentando o vacilante e frio sereno, Apenas para orvalhar meu vestido, Meu echarpe e única tule.) Paramos afinal junto a uma casa Qual empola no chão, Mal vendo a cobertura que tombava Sobre a cornija, num montão...
Séculos faz – mas foi mais longo o dia Em que tive a suspeita da verdade: Que os cavalos do carro conduziam Rumo da Eternidade...

terça-feira, 28 de abril de 2015

Camões

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prêmio pretendia.


Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.


Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assim negada a sua pastora,
como se não a tivera merecida,


Começa de servir outros sete anos,
dizendo: Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida!


(Luís de Camões)

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ministro da Eduação

 
 
Renato Janine Ribeiro, filósofo, professor e escritor, com trânsito, cargos e grande reconhecimento na área, assumiu hoje, 06/04/2015, o Ministério da Educação, sendo 5.º ministro da presidenta Dilma, na Pasta, e, já o segundo sob o lema "Pátria Educadora".
 
Com mestrado pela Sorbonne, doutorado na USP e pós-doutorado pela British Library, o Prof. e Dr. Renato, em entrevista ao Programa Observatório da Imprensa, que foi ao ar em 31 de março deste ano, assim foi apresentado, nas palavras do editor, jornalista, Alberto Dines:


"Ele é um velho conhecido, já esteve aqui dez vezes, e muito querido. Suas participações, sempre marcadas por uma enorme generosidade. Ele diz o que pensa, não se esconde, se entrega. Fala com o coração e a razão em pé de igualdade. Professor de Ética e Filosofia Política, uma espécie de guru, mentor, mestre, numa esfera do conhecimento, onde infelizmente, poucos brasileiros se sobressaem. Foi convidado por nossa produção, depois de publicar um belíssimo e corajoso texto sobre as manifestações do dia 15, na Folha de São Paulo. Hoje, seis dias depois, está aqui, na condição de Ministro indicado, para a importantíssima Pasta da Educação. No intervalo, converteu-se no mais aplaudido ministro do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Uma unanimidade! Sua posse no próximo dia seis, poderá ser um marco, uma reversão no clima de animosidade e de ressentimento, que parece mais perigoso do que o nível da taxa de juros. "
 

O pensamento, influências e um pouco sobre as obras acadêmicas e/ou literárias do ministro, podem ser conferidas na entrevista acima citada e em uma outra dada em 2011 à Revista de História, disponíveis, respectivamente em: https://www.youtube.com/watch?v=q416HDpjctg e http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/renato-janine-ribeirostro


Permita Deus que o professor Renato Janine Ribeiro permaneça no cargo durante todo o atual mandato da presidenta (pelo menos). Se assim for, é que lhe foram dadas, entre outras, as condições políticas e orçamentárias. Boa vontade, capacidade, disposição e fé, além de uma total abertura ao diálogo, estão entre as características mais marcantes do Prof. Renato. Tem o novo ministro uma tarefa espinhosa e árdua pela frente, não lhe será possível, claro, resolver completamente o problema educacional brasileiro, mas poderá avançar, avançar bastante, qualidades não lhe faltam.

 
Sucesso! Sucesso! Sucesso!



domingo, 9 de novembro de 2014


O Estrangeiro - Albert Camus (07/11/1913 - 04/01/1960)

      Meursault, o narrador, funcionário de escritório, a partir do recebimento de um telegrama, dá início a história.

          "Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentidos pêsames"

Três anos após ter internado a mãe em um asilo público, mora ele sozinho, não tem do pai nenhuma lembrança própria, não tem irmãos nem parentes próximos.

  Reconhecido por sua inteligência, autêntico e objetivo por natureza, aferra-se Meursault  a razão, sem ver qualquer sentido nas convenções, regras, etiquetas e religião vigente. Suas observações e respostas são quase sempre desconcertantes. 

"Quando se riu, voltei a sentir desejo por ela. Instantes depois, perguntou-me se eu a amava. Respondi-Lhe que não queria dizer nada, mas que me parecia que não: Ficou com um ar triste." 

"Maria veio buscar-me à noite e perguntou-me se eu queria casar com ela. Respondi que tanto me fazia, mas que se ela de fato queria casar, estava bem."

Definitivamente, falta de sinceridade não era um de seus problemas.


      Após envolver-se numa trama de assassinato, vem a tona a questão central da narrativa, que está no julgamento de Meursault. Na condução do processo, nas averiguações, sessões e audiências judiciais tem mais destaque a teatralidade e assuntos alheios ao crime em si. Não serão assim, em maior ou menor grau, todos os julgamentos?

"Perguntou-me por que razão a mandara para o asilo. Respondi que era por que não ganhava o bastante para a ter comigo e para cuidar dela como devia ser. Perguntou-me se, pessoalmente, sofrera com o fato e respondi que nem a minha mãe, nem eu, esperávamos já alguma coisa um do outro, nem, aliás, de ninguém, ..." 


      Evidencia-se que, mais que o crime, os agravantes para a condenação do réu são a sua falta de sentimentos, sua indiferença, seu agnosticismo e seu desprezo aos símbolos, gestos e paradigmas sociais, muitas vezes agentes de veladas hipocrisias. 

"Expliquei-Lhe, no entanto, que a minha natureza era feita de tal modo que as minhas necessidades físicas perturbavam frequentemente os meus sentimentos. No dia do enterro, estava muito cansado e com muito sono. De forma que não dei lá muito bem pelo que se passou. O que podia afirmar, com toda a certeza, era que preferia que a mãe não tivesse morrido." 

      O estranho, o incomum, o exótico; plausíveis conotações do título original, em francês L’Étranger, fariam mais jus ao sentido concebido pelo autor. 

"Que importava se, acusado de um crime, era executado por não ter chorado no enterro da minha mãe?" 

    Encerrando a sequência de absurdos, Meursault, por ser diferente, é condenado à morte na guilhotina.

O livro tem adaptações para o cinema, sendo a mais fiel "Lo Straniero"  de 1967, sob a direção de Luchino Visconti, com Marcello Mastroianni no papel principal.

sábado, 23 de agosto de 2014

Romance ganhador do Prêmio Pulitzer, ‘O pintassilgo’ chega ao Brasil
RIO. “O pintassilgo” é um romance de números grandiloquentes. Levou dez anos para ser escrito, tem 720 páginas, já vendeu 1 milhão e 500 mil exemplares nos Estados Unidos desde o lançamento, em outubro de 2013, e está há 40 semanas na lista de best-sellers do “New York Times”. Vencedor do prêmio Pulitzer de ficção em abril, o livro já teve os direitos comprados pela Warner Bros: vai virar longa-metragem.
A autora, no entanto, é tão lacônica quanto o acuado passarinho preso a um poleiro da obra de arte que norteia a trama, o quadro “O pintassilgo”, de 1654. A americana Donna Tartt, 50 anos, é o que um bom eufemismo chamaria de reservada; um mau, de excêntrica. Avessa a entrevistas desde o sucesso do seu primeiro livro, “The secret”, de 1992 (publicado no Brasil como “A história secreta”), a escritora é muito erudita, meio dândi, não frequenta eventos ou badalações literárias, preferindo as carteiras das bibliotecas públicas de Nova York, onde está sempre metida com seus ternos sóbrios. O estilo Donna Tartt é marcante — ela já foi chamada de “uma mistura de Anna Wintour com Oscar Wilde”. Não seria exagero acrescentar à miscelânea a placidez de uma Isabella Rossellini.
Questionada sobre o sucesso do seu catatau de mais de 700 páginas em tempos de narrativas de 140 caracteres e mensagens instantâneas, Donna Tartt foi Donna Tartt:
— Eu não sou a melhor pessoa para responder a essas questões. É trabalho do escritor escrever o livro, não analisar a recepção pública dele — disse, por e-mail. — Não estou no Twitter e não sei o que é WhatsApp, mas, no mundo todo, quem ama romances ainda está lendo romances. Talvez nestes tempos é que se ame ainda mais a literatura justamente pelas coisas que só a literatura pode dar.
“O pintassilgo” pousa no Brasil nesta semana, trazido pela Companhia das Letras. O livro conta a história de um jovem de 13 anos, Theo, que perde a mãe numa explosão terrorista no Metropolitan Museum of Art, enquanto os dois visitavam uma exposição. Theo leva anos até superar a perda da referência materna e decidir o que finalmente fazer com o outro sobrevivente daquele dia fatídico: o famoso quadro holandês pintado por Carel Frabitius, discípulo de Rembrandt e professor de Vermeer, roubado por Theo em meio aos escombros (o quadro é real e está exposto na Royal Picture Gallery, na Holanda).
OBRA MISTURA SUSPENSE, DRAMA, REPORTAGEM E POLICIAL
Depois da sequência eletrizante de abertura que descreve a explosão — e passa por verdadeiras aulas de história da arte, enquanto o narrador circula pelas obras da exibição de mãos dadas com a mãe —, o romance decanta o ritmo da narrativa sobre o crescimento do jovem,passando por seu envolvimento com drogas e com o submundo do mercado das artes plásticas. É impossível definir o gênero do livro: ele é ora suspense, ora reportagem, ora um drama psicológico, ora um policial.
— Não vejo o gênero como uma forma fixa, nesse termo absolutista que muitos críticos veem. A escritora Karen Russell disse recentemente que a palavra “gênero” a deixa muito desconfortável, como se alguém estivesse sempre tentando encaixá-la numa fôrma muito apertada. E eu concordo.
Outra característica do romance é um reflexo da erudição de Donna. Não há passagem que não faça referência a nomes tão distintos quanto São Tomás de Aquino, Orson Welles, Platão ou Thom Yorke. Ela vai de Dante Alighieri a Ian Curtis com a naturalidade de quem troca de ala num museu. Ao falar de suas referências, ou das que foram mais pungentes durante a escrita do livro, a autora vai, digamos, amaciando:
— Não são exatamente referências, mas há escritores e autores que eu amo tanto que é como se a personalidade deles já fizesse parte de mim: Dostoiévski, Nabokov, Robert Louis Stevenson, Antoine de St. Exupéry, Andre Gide, e claro, Dickens (todas as resenhas sobre “O pintassilgo” fazem alusão ao consagrado autor inglês Charles Dickens — enumera Donna, que salta das referências às preferências para listar seu único contato com a literatura brasileira, e a imagem que tem do Brasil, país que nunca visitou.
— Sou uma grande fã de Clarice Lispector. Eu também amo Elizabeth Bishop, que, apesar de não ser brasileira, mas americana, viveu no Brasil e escreveu poemas e cartas sobre o país. Particularmente eu amo “Questões de viagem”, um poema sobre o Brasil que coloriu lindamente minhas percepções a respeito do país (o texto está em “Poemas escolhidos: Elizabeth Bishop, da Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Brito): “Mas certamente seria uma pena/ não ter visto as árvores à beira dessa estrada,/ de uma beleza realmente exagerada/ não tê-las visto gesticular/ como nobres mímicos de vestes róseas”. Como nunca estive no Brasil, quando penso no país, penso em “nobres mímicos de vestes róseas”.

(...)“Esta é a primeira pintura que eu realmente amei” , minha mãe estava dizendo. “Você não vai acreditar, mas estava num livro que eu costumava pegar emprestado da biblioteca quando era criança. Sentava no chão do meu quarto e ficava olhando para ela por horas, completamente fascinada. E, bem, de fato é incrível o que você pode aprender sobre uma pintura passando um bom tempo com uma reprodução, ainda que não muito boa. Comecei me apaixonando pelo pássaro, do jeito que se ama um animal de estimação ou algo do tipo, e terminei me apaixonando pela forma como foi pintado.” (...) Pouco à vontade, inclinei-me para a frente e olhei para a pintura. Era um quadro pequeno, o menor da exposição, e o mais simples: um tentilhão amarelo, contra um fundo liso e claro, preso a um poleiro por um tornozelo que estava mais para um graveto. “Ele foi discípulo de Rembrandt, professor de Vermeer”, disse a minha mãe. “Esse quadro é de fato o elo perdido entre os dois — aquela luz do dia, clara e pura, dá para ver de onde Vermeer tirou sua marca.”
http://oglobo.globo.com/cultura/livros/romance-ganhador-do-premio-pulitzer-pintassilgo-chega-ao-brasil-13685463#ixzz3BDKLXDav

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Florbela Espanca


            Vila Viçosa, Portugal, 8 de dezembro de 1894, 2 horas da madrugada: Nascia a poetisa hoje mundialmente conhecida, Florbela Espanca.

            Batizada em 20 de junho de 1895 com o nome de Flor Bela Lobo, filha de Antónia da Conceição Lobo, o registro de nascimento de Florbela não trazia o nome do pai: João Maria Espanca, que, talvez baseado num costume há muito ultrapassado, logrou êxito em convencer a esposa Mariana do Carmo Inglesa Espanca, a concordar com o já então inusitado relacionamento extraconjugal. O nobre objetivo, o argumento final e infalível, provavelmente, foi o de que só assim ele poderia ter os filhos que ela, verdadeiramente, não lhe pode dar. Mariana vem, inclusive, a tornar-se madrinha da menina Flor Bela.

            Nada indica que a peculiar situação, condições e circunstâncias de seu nascimento, tenham, em qualquer momento, causado algum ressentimento a Florbela: “... Nasci num berço de rendas rodeada de afetos, cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da vida que não conhecia,...” (Trecho de uma das cartas de Bela à amiga Julia). Na mesma carta ela diz que tudo veio a mudar a partir dos seus 16 anos: “... compreendi muita coisa que até ali não tinha compreendido e parece-me que desde esse instante cá dentro se fez noite...” Mais a frente: “... falta-me tudo o que eu tinha dantes e que eu nem sei dizer-te o que era...”

            Em 10 de março de 1897 nascia aquele que seria, para Florbela, a sua maior referência de amor: o irmão Apeles. Em tudo semelhante, no que se refere à concepção e nascimento da irmã, Apeles só ficaria junto a ela por volta de seus cinco anos de idade, ocasião em que a mãe biológica, de ambos, mudava-se de Vila Viçosa para Évora. Flor Bela, embora tenha sido amamentada pela mãe que a concebeu, foi desde o início criada pelo pai e a esposa deste, a qual, apenas para lembrar, também foi a sua madrinha.

            A despeito do nome de batismo, Flor Bela (que em sua vasta correspondência e obra, por vezes assina Flor, por vezes Bela ou simplesmente Florbela), vem a adotar o nome de: Florbela d’Alma da Conceição Espanca.

           

Em carta datada de 12 de agosto de 1930, ao amigo, professor, ensaísta e poeta italiano, Guido Battelli, na época docente da cadeira de História da Literatura Italiana na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Florbela confirmaria, a imensa sensibilidade que possuía desde a infância, patenteando ainda toda a sua precocidade: “... Aos oito anos já fazia versos, já tinha insônias e já as coisas da vida me davam vontade de chorar. Tive sempre esta mesma sensibilidade doentia, esta profunda e dolorosa sensibilidade que um nada martiriza, esta mesma ternura apaixonada pelos bichos inocentes e simples. Ficava horas debruçada sobre um formigueiro, dizia coisas ternas aos sapos e às aranhas, e era eu quem criava os pardais e as andorinhas caídos dos ninhos que o meu irmão, solícito, me levava para que eu lhes servisse de mãe. Quando matava as moscas para alimentar as andorinhas, já o triste problema da injustiça da sorte me atormentava. Por que sacrificar as moscas em benefício das aves?...”
Lugar comum dizer que Florbela era uma cabeça a frente de seu tempo, mas, no afã de demonstrar o fato, que fique a fórmula. Ainda na carta em pauta a poetisa registra uma opinião, por diversos fatores, singularíssima: “Não só a moral cristã é bela. Veja Ghandi, esse homem-luz, divino como um Cristo e grande, grande como ninguém! Admiro-o tanto!”

A carta, em seu inteiro teor, além de um pouco provável, sutil e refinado humor, revela que Florbela, declaradamente avessa a política, não era, por isso, apolítica – não há paradoxo nesta afirmação. O que se percebe é uma pessoa contrária a formatação política da época, como de resto, a qualquer tipo de formatação. O trecho que segue, creio que consegue provar o dito: “Exercícios militares, espingardas, couraçados, canções de guerra... que horror! A Itália, para mim, será sempre a Itália das pedras mortas, mais vivas do que todo esse magnífico cenário de realizações guerreiras, será a Itália das basílicas, dos museus, dos claustros, a Itália dos jardins de ciprestes e dos poentes de brocado. “Soror Saudade” podia cismar em paz no claustro de Santa Cruz. Quando surgissem à porta as coroas de loiros, e as fanfarras de guerra ecoassem como um sacrilégio sob aquelas abóbadas criadas para a meditação e o esquecimento das pompas e vaidades humanas, “Soror Saudade” iria, devagarinho, em bicos de pés, pedir silêncio em nome dos grandes fantasmas adormecidos. E tenho a certeza que Miguel Ângelo, Galileu e todos os outros me diriam, contentes: fizeste bem, “Soror Saudade”, é tão doce o silêncio, tão bom dormir em paz! Só Maquiavel, diplomaticamente, não diria nada, com receio de complicações com Mussolini...”



O professor Guido Battelli além de amigo – para atermo-nos apenas aos fatos facilmente comprováveis, foi o grande incentivador e divulgador da obra de Florbela, sendo o responsável pelas primeiras edições póstumas. Graças à revelação e conhecimento da pródiga literatura epistolar da escritora, é fácil derrubar versões apressadas, maledicentes e levianas quanto ao amor desta ao irmão, que, se ultrapassou os limites do amor fraternal foi para igualar-se ao amor maternal. Nada mais além!

São fartas as provas do inigualável amor de Florbela ao irmão e, por nada haver de mal e muito menos de proibido neste amor, ela não se cansava de propagá-lo, literalmente, em prosa e verso. Na primeira carta aqui mencionada, Florbela contra-argumentando à amiga Júlia afirmava: “Chamares-me anjo de bondade é troçares de mim, ou vontade de fazer literatura. Eu não sou boa nem quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um.”

Em 27 de julho de 1930, Florbela em mais uma carta a Guido Battelli, contava: “Minha mãe (a mãe biológica) morreu com 29 anos duma doença que ninguém entendeu; a certidão de óbito diz ‘neurose’. O meu único irmão, o melhor da minha ternura e do meu orgulho, era 1º tenente de marinha, aviador. Morreu há três anos num vôo de treino. Tinha 30 anos; era belo, forte, altivo, homem de ação e um delicado artista. O cadáver nunca apareceu; guarda-o o Tejo, ciosamente, no seu túmulo azul. Esse horror arrasou-me, esfacelou-me...”