Livro: Um universo em suas mãos.


Aos Exploradores do Mais Ilimitado dos Universos.

domingo, 9 de novembro de 2014


O Estrangeiro - Albert Camus (07/11/1913 - 04/01/1960)

      Meursault, o narrador, funcionário de escritório, a partir do recebimento de um telegrama, dá início a história.

          "Sua mãe falecida: Enterro amanhã. Sentidos pêsames"

Três anos após ter internado a mãe em um asilo público, mora ele sozinho, não tem do pai nenhuma lembrança própria, não tem irmãos nem parentes próximos.

  Reconhecido por sua inteligência, autêntico e objetivo por natureza, aferra-se Meursault  a razão, sem ver qualquer sentido nas convenções, regras, etiquetas e religião vigente. Suas observações e respostas são quase sempre desconcertantes. 

"Quando se riu, voltei a sentir desejo por ela. Instantes depois, perguntou-me se eu a amava. Respondi-Lhe que não queria dizer nada, mas que me parecia que não: Ficou com um ar triste." 

"Maria veio buscar-me à noite e perguntou-me se eu queria casar com ela. Respondi que tanto me fazia, mas que se ela de fato queria casar, estava bem."

Definitivamente, falta de sinceridade não era um de seus problemas.


      Após envolver-se numa trama de assassinato, vem a tona a questão central da narrativa, que está no julgamento de Meursault. Na condução do processo, nas averiguações, sessões e audiências judiciais tem mais destaque a teatralidade e assuntos alheios ao crime em si. Não serão assim, em maior ou menor grau, todos os julgamentos?

"Perguntou-me por que razão a mandara para o asilo. Respondi que era por que não ganhava o bastante para a ter comigo e para cuidar dela como devia ser. Perguntou-me se, pessoalmente, sofrera com o fato e respondi que nem a minha mãe, nem eu, esperávamos já alguma coisa um do outro, nem, aliás, de ninguém, ..." 


      Evidencia-se que, mais que o crime, os agravantes para a condenação do réu são a sua falta de sentimentos, sua indiferença, seu agnosticismo e seu desprezo aos símbolos, gestos e paradigmas sociais, muitas vezes agentes de veladas hipocrisias. 

"Expliquei-Lhe, no entanto, que a minha natureza era feita de tal modo que as minhas necessidades físicas perturbavam frequentemente os meus sentimentos. No dia do enterro, estava muito cansado e com muito sono. De forma que não dei lá muito bem pelo que se passou. O que podia afirmar, com toda a certeza, era que preferia que a mãe não tivesse morrido." 

      O estranho, o incomum, o exótico; plausíveis conotações do título original, em francês L’Étranger, fariam mais jus ao sentido concebido pelo autor. 

"Que importava se, acusado de um crime, era executado por não ter chorado no enterro da minha mãe?" 

    Encerrando a sequência de absurdos, Meursault, por ser diferente, é condenado à morte na guilhotina.

O livro tem adaptações para o cinema, sendo a mais fiel "Lo Straniero"  de 1967, sob a direção de Luchino Visconti, com Marcello Mastroianni no papel principal.

sábado, 23 de agosto de 2014

Romance ganhador do Prêmio Pulitzer, ‘O pintassilgo’ chega ao Brasil
RIO. “O pintassilgo” é um romance de números grandiloquentes. Levou dez anos para ser escrito, tem 720 páginas, já vendeu 1 milhão e 500 mil exemplares nos Estados Unidos desde o lançamento, em outubro de 2013, e está há 40 semanas na lista de best-sellers do “New York Times”. Vencedor do prêmio Pulitzer de ficção em abril, o livro já teve os direitos comprados pela Warner Bros: vai virar longa-metragem.
A autora, no entanto, é tão lacônica quanto o acuado passarinho preso a um poleiro da obra de arte que norteia a trama, o quadro “O pintassilgo”, de 1654. A americana Donna Tartt, 50 anos, é o que um bom eufemismo chamaria de reservada; um mau, de excêntrica. Avessa a entrevistas desde o sucesso do seu primeiro livro, “The secret”, de 1992 (publicado no Brasil como “A história secreta”), a escritora é muito erudita, meio dândi, não frequenta eventos ou badalações literárias, preferindo as carteiras das bibliotecas públicas de Nova York, onde está sempre metida com seus ternos sóbrios. O estilo Donna Tartt é marcante — ela já foi chamada de “uma mistura de Anna Wintour com Oscar Wilde”. Não seria exagero acrescentar à miscelânea a placidez de uma Isabella Rossellini.
Questionada sobre o sucesso do seu catatau de mais de 700 páginas em tempos de narrativas de 140 caracteres e mensagens instantâneas, Donna Tartt foi Donna Tartt:
— Eu não sou a melhor pessoa para responder a essas questões. É trabalho do escritor escrever o livro, não analisar a recepção pública dele — disse, por e-mail. — Não estou no Twitter e não sei o que é WhatsApp, mas, no mundo todo, quem ama romances ainda está lendo romances. Talvez nestes tempos é que se ame ainda mais a literatura justamente pelas coisas que só a literatura pode dar.
“O pintassilgo” pousa no Brasil nesta semana, trazido pela Companhia das Letras. O livro conta a história de um jovem de 13 anos, Theo, que perde a mãe numa explosão terrorista no Metropolitan Museum of Art, enquanto os dois visitavam uma exposição. Theo leva anos até superar a perda da referência materna e decidir o que finalmente fazer com o outro sobrevivente daquele dia fatídico: o famoso quadro holandês pintado por Carel Frabitius, discípulo de Rembrandt e professor de Vermeer, roubado por Theo em meio aos escombros (o quadro é real e está exposto na Royal Picture Gallery, na Holanda).
OBRA MISTURA SUSPENSE, DRAMA, REPORTAGEM E POLICIAL
Depois da sequência eletrizante de abertura que descreve a explosão — e passa por verdadeiras aulas de história da arte, enquanto o narrador circula pelas obras da exibição de mãos dadas com a mãe —, o romance decanta o ritmo da narrativa sobre o crescimento do jovem,passando por seu envolvimento com drogas e com o submundo do mercado das artes plásticas. É impossível definir o gênero do livro: ele é ora suspense, ora reportagem, ora um drama psicológico, ora um policial.
— Não vejo o gênero como uma forma fixa, nesse termo absolutista que muitos críticos veem. A escritora Karen Russell disse recentemente que a palavra “gênero” a deixa muito desconfortável, como se alguém estivesse sempre tentando encaixá-la numa fôrma muito apertada. E eu concordo.
Outra característica do romance é um reflexo da erudição de Donna. Não há passagem que não faça referência a nomes tão distintos quanto São Tomás de Aquino, Orson Welles, Platão ou Thom Yorke. Ela vai de Dante Alighieri a Ian Curtis com a naturalidade de quem troca de ala num museu. Ao falar de suas referências, ou das que foram mais pungentes durante a escrita do livro, a autora vai, digamos, amaciando:
— Não são exatamente referências, mas há escritores e autores que eu amo tanto que é como se a personalidade deles já fizesse parte de mim: Dostoiévski, Nabokov, Robert Louis Stevenson, Antoine de St. Exupéry, Andre Gide, e claro, Dickens (todas as resenhas sobre “O pintassilgo” fazem alusão ao consagrado autor inglês Charles Dickens — enumera Donna, que salta das referências às preferências para listar seu único contato com a literatura brasileira, e a imagem que tem do Brasil, país que nunca visitou.
— Sou uma grande fã de Clarice Lispector. Eu também amo Elizabeth Bishop, que, apesar de não ser brasileira, mas americana, viveu no Brasil e escreveu poemas e cartas sobre o país. Particularmente eu amo “Questões de viagem”, um poema sobre o Brasil que coloriu lindamente minhas percepções a respeito do país (o texto está em “Poemas escolhidos: Elizabeth Bishop, da Companhia das Letras, com tradução de Paulo Henriques Brito): “Mas certamente seria uma pena/ não ter visto as árvores à beira dessa estrada,/ de uma beleza realmente exagerada/ não tê-las visto gesticular/ como nobres mímicos de vestes róseas”. Como nunca estive no Brasil, quando penso no país, penso em “nobres mímicos de vestes róseas”.

(...)“Esta é a primeira pintura que eu realmente amei” , minha mãe estava dizendo. “Você não vai acreditar, mas estava num livro que eu costumava pegar emprestado da biblioteca quando era criança. Sentava no chão do meu quarto e ficava olhando para ela por horas, completamente fascinada. E, bem, de fato é incrível o que você pode aprender sobre uma pintura passando um bom tempo com uma reprodução, ainda que não muito boa. Comecei me apaixonando pelo pássaro, do jeito que se ama um animal de estimação ou algo do tipo, e terminei me apaixonando pela forma como foi pintado.” (...) Pouco à vontade, inclinei-me para a frente e olhei para a pintura. Era um quadro pequeno, o menor da exposição, e o mais simples: um tentilhão amarelo, contra um fundo liso e claro, preso a um poleiro por um tornozelo que estava mais para um graveto. “Ele foi discípulo de Rembrandt, professor de Vermeer”, disse a minha mãe. “Esse quadro é de fato o elo perdido entre os dois — aquela luz do dia, clara e pura, dá para ver de onde Vermeer tirou sua marca.”
http://oglobo.globo.com/cultura/livros/romance-ganhador-do-premio-pulitzer-pintassilgo-chega-ao-brasil-13685463#ixzz3BDKLXDav