Livro: Um universo em suas mãos.


Aos Exploradores do Mais Ilimitado dos Universos.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Florbela Espanca


            Vila Viçosa, Portugal, 8 de dezembro de 1894, 2 horas da madrugada: Nascia a poetisa hoje mundialmente conhecida, Florbela Espanca.

            Batizada em 20 de junho de 1895 com o nome de Flor Bela Lobo, filha de Antónia da Conceição Lobo, o registro de nascimento de Florbela não trazia o nome do pai: João Maria Espanca, que, talvez baseado num costume há muito ultrapassado, logrou êxito em convencer a esposa Mariana do Carmo Inglesa Espanca, a concordar com o já então inusitado relacionamento extraconjugal. O nobre objetivo, o argumento final e infalível, provavelmente, foi o de que só assim ele poderia ter os filhos que ela, verdadeiramente, não lhe pode dar. Mariana vem, inclusive, a tornar-se madrinha da menina Flor Bela.

            Nada indica que a peculiar situação, condições e circunstâncias de seu nascimento, tenham, em qualquer momento, causado algum ressentimento a Florbela: “... Nasci num berço de rendas rodeada de afetos, cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da vida que não conhecia,...” (Trecho de uma das cartas de Bela à amiga Julia). Na mesma carta ela diz que tudo veio a mudar a partir dos seus 16 anos: “... compreendi muita coisa que até ali não tinha compreendido e parece-me que desde esse instante cá dentro se fez noite...” Mais a frente: “... falta-me tudo o que eu tinha dantes e que eu nem sei dizer-te o que era...”

            Em 10 de março de 1897 nascia aquele que seria, para Florbela, a sua maior referência de amor: o irmão Apeles. Em tudo semelhante, no que se refere à concepção e nascimento da irmã, Apeles só ficaria junto a ela por volta de seus cinco anos de idade, ocasião em que a mãe biológica, de ambos, mudava-se de Vila Viçosa para Évora. Flor Bela, embora tenha sido amamentada pela mãe que a concebeu, foi desde o início criada pelo pai e a esposa deste, a qual, apenas para lembrar, também foi a sua madrinha.

            A despeito do nome de batismo, Flor Bela (que em sua vasta correspondência e obra, por vezes assina Flor, por vezes Bela ou simplesmente Florbela), vem a adotar o nome de: Florbela d’Alma da Conceição Espanca.

           

Em carta datada de 12 de agosto de 1930, ao amigo, professor, ensaísta e poeta italiano, Guido Battelli, na época docente da cadeira de História da Literatura Italiana na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Florbela confirmaria, a imensa sensibilidade que possuía desde a infância, patenteando ainda toda a sua precocidade: “... Aos oito anos já fazia versos, já tinha insônias e já as coisas da vida me davam vontade de chorar. Tive sempre esta mesma sensibilidade doentia, esta profunda e dolorosa sensibilidade que um nada martiriza, esta mesma ternura apaixonada pelos bichos inocentes e simples. Ficava horas debruçada sobre um formigueiro, dizia coisas ternas aos sapos e às aranhas, e era eu quem criava os pardais e as andorinhas caídos dos ninhos que o meu irmão, solícito, me levava para que eu lhes servisse de mãe. Quando matava as moscas para alimentar as andorinhas, já o triste problema da injustiça da sorte me atormentava. Por que sacrificar as moscas em benefício das aves?...”
Lugar comum dizer que Florbela era uma cabeça a frente de seu tempo, mas, no afã de demonstrar o fato, que fique a fórmula. Ainda na carta em pauta a poetisa registra uma opinião, por diversos fatores, singularíssima: “Não só a moral cristã é bela. Veja Ghandi, esse homem-luz, divino como um Cristo e grande, grande como ninguém! Admiro-o tanto!”

A carta, em seu inteiro teor, além de um pouco provável, sutil e refinado humor, revela que Florbela, declaradamente avessa a política, não era, por isso, apolítica – não há paradoxo nesta afirmação. O que se percebe é uma pessoa contrária a formatação política da época, como de resto, a qualquer tipo de formatação. O trecho que segue, creio que consegue provar o dito: “Exercícios militares, espingardas, couraçados, canções de guerra... que horror! A Itália, para mim, será sempre a Itália das pedras mortas, mais vivas do que todo esse magnífico cenário de realizações guerreiras, será a Itália das basílicas, dos museus, dos claustros, a Itália dos jardins de ciprestes e dos poentes de brocado. “Soror Saudade” podia cismar em paz no claustro de Santa Cruz. Quando surgissem à porta as coroas de loiros, e as fanfarras de guerra ecoassem como um sacrilégio sob aquelas abóbadas criadas para a meditação e o esquecimento das pompas e vaidades humanas, “Soror Saudade” iria, devagarinho, em bicos de pés, pedir silêncio em nome dos grandes fantasmas adormecidos. E tenho a certeza que Miguel Ângelo, Galileu e todos os outros me diriam, contentes: fizeste bem, “Soror Saudade”, é tão doce o silêncio, tão bom dormir em paz! Só Maquiavel, diplomaticamente, não diria nada, com receio de complicações com Mussolini...”



O professor Guido Battelli além de amigo – para atermo-nos apenas aos fatos facilmente comprováveis, foi o grande incentivador e divulgador da obra de Florbela, sendo o responsável pelas primeiras edições póstumas. Graças à revelação e conhecimento da pródiga literatura epistolar da escritora, é fácil derrubar versões apressadas, maledicentes e levianas quanto ao amor desta ao irmão, que, se ultrapassou os limites do amor fraternal foi para igualar-se ao amor maternal. Nada mais além!

São fartas as provas do inigualável amor de Florbela ao irmão e, por nada haver de mal e muito menos de proibido neste amor, ela não se cansava de propagá-lo, literalmente, em prosa e verso. Na primeira carta aqui mencionada, Florbela contra-argumentando à amiga Júlia afirmava: “Chamares-me anjo de bondade é troçares de mim, ou vontade de fazer literatura. Eu não sou boa nem quero sê-lo, contento-me em desprezar quase todos, odiar alguns, estimar raros e amar um.”

Em 27 de julho de 1930, Florbela em mais uma carta a Guido Battelli, contava: “Minha mãe (a mãe biológica) morreu com 29 anos duma doença que ninguém entendeu; a certidão de óbito diz ‘neurose’. O meu único irmão, o melhor da minha ternura e do meu orgulho, era 1º tenente de marinha, aviador. Morreu há três anos num vôo de treino. Tinha 30 anos; era belo, forte, altivo, homem de ação e um delicado artista. O cadáver nunca apareceu; guarda-o o Tejo, ciosamente, no seu túmulo azul. Esse horror arrasou-me, esfacelou-me...”

segunda-feira, 30 de abril de 2012

The Raven - Edgar Allan Poe (1809 – 1849)












Illustrations by Gustave Doré (1832 - 1883)








Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"'Tis some visiter," I muttered, "tapping at my chamber door—
Only this, and nothing more."


Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow;—vainly I had tried to borrow
From my books surcease of sorrow—sorrow for the lost Lenore—
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore—
Nameless here for evermore.


And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me—filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
"'Tis some visiter entreating entrance at my chamber door—
Some late visiter entreating entrance at my chamber door;—
This it is, and nothing more."

Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you"—here I opened wide the door;—
Darkness there, and nothing more.


Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!"
Merely this, and nothing more.


Then into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon I heard again a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice;
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore—
Let my heart be still a moment and this mystery explore;—
'Tis the wind, and nothing more!"


Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not an instant stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door—
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door—
Perched, and sat, and nothing more.


 
















Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore—
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the raven, "Nevermore."


Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning—little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no sublunary being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door—
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."


But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing farther then he uttered—not a feather then he fluttered—
Till I scarcely more than muttered, "Other friends have flown before—
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Quoth the raven, "Nevermore."


Wondering at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster—so, when Hope he would adjure,
Stern Despair returned, instead of the sweet Hope he dared adjure—
That sad answer, "Nevermore!"

But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust, and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore—
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."


This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamplight gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamplight gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!


Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by angels whose faint foot-falls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee—by these angels he hath sent thee
Respite—respite and Nepenthe from thy memories of Lenore!
Let me quaff this kind Nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the raven, "Nevermore."

 
"Prophet!" said I, "thing of evil!—prophet still, if bird or devil!—
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate, yet all undaunted, on this desert land enchanted—
On this home by Horror haunted—tell me truly, I implore—
Is there—is there balm in Gilead?—tell me—tell me, I implore!"
Quoth the raven, "Nevermore."










"Prophet!" said I, "thing of evil!—prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us—by that God we both adore—
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore—
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the raven, "Nevermore."

 
"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting—
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken!—quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore."

And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted—nevermore!


The End

-------------------------------------------------------------------------------

sexta-feira, 27 de abril de 2012

THE RAVEN - O CORVO (de Edgar Allan Poe - Tradução de Fernando Pessoa)


Clássico da literatura americana o poema “The Raven” foi  publicado pela primeira vez em 1845 e desde então impacta e impressiona pela genialidade do autor, cujos recursos, impregnam no leitor toda a atmosfera do poema.

As traduções e o peso dos tradutores dão a dimensão da importância da obra: Para o francês, língua na qual o poema teve a sua primeira tradução, o trabalho foi assinado por Charles Baudelaire; nomes como os de Machado de Assis e Fernando Pessoa estão entre os precursores das versões em português. Entre os críticos creio que a tradução mais louvada na língua portuguesa seja  a do jornalista e escritor Milton Amado. A versão do poeta Alexei Bueno, mais atual, é támbem muito elogiada.

  O livro O Corvo e Suas Traduções, organizado por Ivo Barroso, traz as versões acima citadas e muitas outras.





THE RAVEN - O CORVO

de Edgar Allan Poe (1809 - 1849)

Tradução de Fernando Pessoa (1888 - 1935)

Ilustrações de Gustave Doré (1832 - 1883)



Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."




Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,

E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.

Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada

P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo

Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!

Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,

"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;

Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,

"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;

Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,

Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,

Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,

Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.

Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,

E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -

Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,

Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.

"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.

Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."

Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."
  

 Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,

Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.

Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,

Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,

Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.










E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura

Com o solene decoro de seus ares rituais.

"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,

Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!

Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".


Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,

Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.

Mas deve ser concedido que ninguém terá havido

Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,

Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".



Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,

Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.

Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento

Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais

Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".



A alma súbito movida por frase tão bem cabida,

"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,

Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono

Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,

E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,

Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;

E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira

Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,

Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo

À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,

Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando

No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,

Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso

Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.

"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te

O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,

O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".


"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!

Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,

A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,

A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais

Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".




"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!

Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.

Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida

Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".


"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!

Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!

Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!

Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!

Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".


E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda

No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.

Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,

E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

E a minh’alma dessa sombra, que no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!


FIM