Cantigas de portugueses
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Tens o leque desdobrado | |
São como barcos no mar — | Sem que estejas a abanar. | |
Vão de uma alma para outra | Amor que pensa e que pensa | |
Com riscos de naufragar. | Começa ou vai acabar. | |
Eu tenho um colar de pérolas | Duas horas te esperei | |
Enfiado para te dar: | Dois anos te esperaria. | |
As pérolas são os meus beijos, | Dize: devo esperar mais? | |
O fio é o meu penar. | Ou não vens porque inda é dia? | |
A Terra é sem vida, e nada | Toda a noite ouvi no tanque | |
Vive mais que o coração... | A pouca água a pingar. | |
E envolve-te a terra fria | Toda a noite ouvi na alma | |
E a minha saudade não! | Que não me podes amar. | |
Deixa que um momento pense | Dias são dias, e noites | |
Que ainda vives ao meu lado... | São noites e não dormi... | |
Triste de quem por si mesmo | Os dias a não te ver | |
Precisa ser enganado! | As noites pensando em ti. | |
Morto hei de estar ao teu lado | Trazes a rosa na mão | |
Sem o sentir nem saber... | E colheste-a distraída... | |
Mesmo assim, isso me basta | E que é do meu coração | |
Pra ver um bem em morrer. | Que colheste mais sabida? | |
Não sei se a alma no Além vive... | Teus olhos tristes, parados, | |
Morreste! E eu quero morrer! | Coisa nenhuma a fitar... | |
Se vive, ver-te-ei; se não, | Ah meu amor, meu amor, | |
Só assim te posso esquecer. | Se eu fora nenhum lugar! | |
Se ontem à tua porta | Depois do dia vem noite, | |
Mais triste o vento passou – | Depois da noite vem dia | |
Olha: levava um suspiro... | E depois de ter saudades | |
Bem sabes quem te mandou... | Vêm as saudades que havia. | |
Entreguei-te o coração, | No baile em que dançam todos | |
E que tratos tu lhe destes! | Alguém fica sem dançar. | |
É talvez por ’star estragado | Melhor é não ir ao baile | |
Que ainda não me devolveste... | Do que estar lá sem lá estar. | |
A caixa que não tem tampa | Vale a pena ser discreto? | |
Fica sempre destapada | Não sei bem se vale a pena. | |
Dá-me um sorriso dos teus | O melhor é estar quieto | |
Porque não quero mais nada. | E ter a cara serena.
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Livro: Um universo em suas mãos.
Aos Exploradores do Mais Ilimitado dos Universos.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Quadras Populares - Fernando Pessoa (1)
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