Clássico da literatura americana o poema “The Raven” foi publicado pela primeira vez em 1845 e desde então impacta e impressiona pela genialidade do autor, cujos recursos, impregnam no leitor toda a atmosfera do poema.
As traduções e o peso dos tradutores dão a dimensão da importância da obra: Para o francês, língua na qual o poema teve a sua primeira tradução, o trabalho foi assinado por Charles Baudelaire; nomes como os de Machado de Assis e Fernando Pessoa estão entre os precursores das versões em português. Entre os críticos creio que a tradução mais louvada na língua portuguesa seja a do jornalista e escritor Milton Amado. A versão do poeta Alexei Bueno, mais atual, é támbem muito elogiada.
O livro O Corvo e Suas Traduções, organizado por Ivo Barroso, traz as versões acima citadas e muitas outras.
THE RAVEN - O CORVO
de Edgar Allan Poe (1809 - 1849)
Tradução de Fernando
Pessoa (1888 - 1935)
Ilustrações de Gustave Doré (1832 - 1883)
Numa meia-noite
agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos
tomos de ciências ancestrais,
E já quase
adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que
batia levemente a meus umbrais.
"Uma
visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada
mais."
E o fogo, morrendo
negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a
madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em
vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem
as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui
jamais!
Como, a tremer frio
e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia
estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo
infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita
pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia
pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada
mais".
"Senhor",
eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia
adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente
batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal
ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada
mais.
Dúbio e tais sonhos
sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era
infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra
dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome
dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Não tardou que
ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por
certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está
nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se
distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e
nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
Com o solene decoro
de seus ares rituais.
"Tens o aspecto
tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo
emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu
nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo,
"Nunca mais".
Pasmei de ouvir este
raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco
sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser
concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha
tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o
busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome
"Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o
busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual
se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem
movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei
lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se
foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo,
"Nunca mais".
A alma súbito movida
por frase tão bem cabida,
"Por
certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum
dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o
entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de
desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca
mais".
Sentei-me defronte
dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na
cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira
dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e
agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele
"Nunca mais".
Comigo isto
discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha
alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia
cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz
punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde
ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca
mais!
Fez-se então o ar
mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem,
cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!",
a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento;
valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não
esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo,
"Nunca mais".
"Profeta",
disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou
tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este
degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia
e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo
longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo,
"Nunca mais".
Pelo Deus ante quem
ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma
entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje
perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem
as hostes celestiais!"
Disse o corvo,
"Nunca mais".
Torna á noite e à
tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que
ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me
reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu
peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo,
"Nunca mais".
No alvo busto de
Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a
medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a
tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minh’alma dessa
sombra, que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á...
nunca mais!
FIM
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