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terça-feira, 3 de abril de 2012

Depoimentos sobre Clarice Lispector e sua fase repórter


Em 28 de abril de 2007 o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria sobre a fase repórter da escritora Clarice Lispector. A manchete foi: “Escritora se recusou a falar com Pelé.” Logo abaixo detalhava: “Para ela, o sucesso da entrevista dependia principalmente de se tornar ou não amiga da personalidade após a conversa.” Entre os entrevistados aparecem nomes como Rubem Braga, Elis Regina, Jorge Amado, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Tom Jobim e Pablo Neruda. Entrevistadora de um lado, entrevistados de outro, é a primeira, creio, a que mais se revela em cada pergunta. Ao poeta chileno, por exemplo, ela faz (bem ao seu estilo) a seguinte indagação: “Neruda, escrever melhora a angústia de viver?” Sim, naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial. Senão é infernal.

Sobre Clarice, abaixo reproduzo os depoimentos de personalidades como Millôr Fernandes, Isaac Karabtchevski, Lygia Fagundes Telles e Maria Bonomi:

Millôr Fernandes

“Rio. A cidade era muito menor. A População nenhuma. E reduzida pra todos nós a um pequeno grupo. No caso de Clarice o grupo básico era Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pelegrino, Rubem Braga, Sérgio Porto. A Qualquer momento todos sabíamos onde estava qualquer um. Era fácil, estávamos sempre juntos. E aquela mulher alta na geração dela 1,70 era muito alta bonita pra danar, um ligeiro sotaque que ela nunca perdeu, e ninguém sabia onde adquiriu. Pois chegou aqui, da Ucrânia (Tchetchelnik), com apena dois anos de idade.

Telefonávamos pra ela, atendia o Maury Gurgel Valente, o marido, diplomata, homem de grande personalidade, vale dizer. Falávamos com ele alguns minutos e pedíamos pra falar com Clarice. Muitos minutos. Inaugurávamos, ela inaugurava, sem saber, uma “ascensão da mulher”, pelo menos telefônica.

Não, não sei o que escrever sobre Clarice. Nos últimos anos, só falávamos ao telefone, ela me assustava. Nossos mundos se afastavam. Enquanto eu corria pela praia, uma vida totalmente extrovertida, ela mergulhava cada vez mais (talvez marcada pelo momento em que acordou no quarto em chamas) naquele seu mundo inescrutável.

É uma figura que não sei analisar; O ser humano e a escritora são indissociáveis. E sem comparação. Só me lembra, e não sei se correta ou justamente, a figura de Rimbaud, perdido no espaço, perdido do mundo. 10 anos naqueles quase-desertos de Harar, na Abissínia, sol permanentemente ao meio-dia, sem ninguém a que comunicar a sua ânsia, sem nenhum lugar em que ficar, atraído por todos os perigos do mundo. Clarice cada vez mergulhava mais em si mesma, tentando se comunicar não sei com quê. Eu, pelo menos, já não a entendia.”



Isaac Karabtchevsk

“Foi um telefonema: ‘Isaac aqui é Clarice Lispector. Preciso falar com você, é sobre uma entrevista para a Manchete’. Até aquele momento, Clarice era um mito, inatingível para um recém-formado maestro, à busca de seu espaço. Via nela alguém com as mesmas origens de minha família, fugida de Kiev, na Ucrânia e, como todos os judeus da época, ameaçada pelos cossacos, escondendo-se em porões e procurando escapar. Era a saga de toda uma geração que, chegando ao Brasil, aqui reencontraria o sentido da vida, educaria seus filhos dentro de princípios de transigência e de liberdade. Ela chegou ao meu apartamento em Botafogo assim, simples, humana. Lembro-me de sua doçura, do ar de mistério que dela desprendia. O momento que ficou gravado, indelével em minha memória, foi a percepção do gênio, daquele que quando de nós se aproxima consegue inspirar e comover.”



Lygia Fagundes Telles

“Éramos amigas muito próximas. Certa vez, em Cali, na Colômbia, abandonamos os debates para ficar no bar, bebendo champanhe (ela) e vinho tinto, enquanto ríamos gostosamente e ela pedia a minha opinião sobre quem era mais indiscreto nas suas traições, o homem ou a mulher. Aliás, na viagem de ida, quando o avião balançava muito e eu estava preocupada, Clarice se voltou para mim i disse: ‘Não tenha medo porque o avião não vai cair. Minha cartomante disse que eu morreria deitada, portanto fique tranquila.’ “



Maria Bonomi

“A lembranças são infinitas pois ela era minha comadre onipresente. Todos os assuntos que tocava transbordavam de interesse, conhecimento e afeto prático. Me impressionava como se dedicava a discutir e tudo se solucionava numa névoa de sabedoria mágica. As regras e os limites eram despoluídos por ela que os tornava moldes de pensamente para mim, Mas nunca encerrávamos a conversa. Ela dia que ‘a conversa deve ser inacabada’.

Surpreende como extraia da rotina do cotidiano ingredientes poéticos e por isso aparentemente sofria, parecendo uma pessoa ‘incerta’ (como você diz) por se assustar ao lidar com o inefável mesmo através da rotina. A criação fluindo aberta, puro poder, pura predestinação. Para mim desde Washington, 1958 até o final.”

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