Livro: Um universo em suas mãos.


Aos Exploradores do Mais Ilimitado dos Universos.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A PAIXÃO SEGUNDO G. H.




            Um acontecimento corriqueiro e um outro, com desfecho absolutamente inusitado, levam G.H. – mulher independente e livre: sem marido e sem filhos – a refletir, rever e reconsiderar suas posições e conceitos em relação a si mesma e ao mundo. São muitos os questionamentos de G.H. Com eles um a um, não sem algum temor, ela vai se livrando do seu invólucro habitual para aos poucos assumir o seu real “eu”, o seu “eu” sem capa ou máscara, o seu “eu” íntimo e consciente, o seu, segundo ela mesma: “novo modo de ser”. “... se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.” 
“... Ontem no entanto perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida.”


  Há um embate em cada questionamento, em cada descoberta. G. H. os enfrenta, decifra-os e segue resolutamente em sua nova direção. No filme matrix o protagonista se viu entre duas escolhas: tomar a pílula azul ou a pílula vermelha. A primeira o manteria ignorante à realidade do mundo e ele acreditaria no quisesse acreditar. A segunda ao contrário o despertaria e lhe revelaria a dura realidade do sistema em vivia e de seu papel dentro daquele sistema. O herói opta pela pílula vermelha. Para G. H. a pílula vermelha foi representada pelos dois acontecimentos aqui abordados. Da mesma forma como aconteceu com o herói do filme; G. H. ingere a pílula vermelha, e daí lhe advém os temores e incertezas inerentes a nova escolha. O que a pode manter no caminho é, antes de ser o amor a verdade, o horror ao falso ao subterfúgio. Ela já não quer a terceira perna que a prendia e que, limitando-a, oferecia-lhe certa comodidade e segurança. ... O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?"


"Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.”


“Não posso pôr em palavras qual era o sistema, mas eu vivia num sistema.”




            O acontecimento corriqueiro: a demissão da empregada é o estalo. “Ontem de manhã – quando saí da sala para o quarto da empregada – nada me fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império. A um passo de mim.” O fato proporciona também alguns bônus mais imediatos e perceptíveis: “... há muito tempo meu apartamento não me pertencia tanto.” “... eu ganhando de novo o gosto ligeiramente insípido e feliz da liberdade.”
            Quem era a G. H. de antes? “... pouco a pouco eu havia me transformado na pessoa que tem o meu nome. E acabei sendo o meu nome. É suficiente ver no couro de minhas valises as iniciais G. H., e eis-me. Também dos outros eu não exigia mais do que a primeira cobertura das iniciais dos nomes.”
            “Em torno de mim espalho a traquilidade que vem de se chegar a um grau de realização a ponto de ser G. H. até nas valises.
            A revelação não acontece por acaso, embora o acaso a favoreça ela só se torna possível pela busca continua: “... nunca soube ver sem logo precisar mais do que ver.” “E vivendo o meu “mal”, eu vivia o lado avesso daquilo que nem sequer eu conseguiria querer ou tentar. Assim como quem segue à risca e com amor uma vida de “devassidão”, e pelo menos tem o oposto do que não conhece nem pode nem quer: uma vida de freira. Só agora sei que eu já tinha tudo, embora do modo contrário: eu me provava que – que eu era.”
            “O leve prazer geral – que parece ter sido o tom em que eu vivo ou vivia – talvez viesse de que o mundo não era eu nem meu: eu podia usufruí-lo. Assim como também aos homens eu não os havia feito meus, e podia então admirá-los e sinceramente amá-los, como se ama sem egoísmos, como se ama a uma idéia. Não sendo meus, eu nunca os torturava.”
            “esse ela, G. H. no couro das valises, era eu: sou eu – ainda? Não. Desde já cálculo que aquilo que de mais duro minha vaidade terá de enfrentar será o julgamento de mim mesma: Terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.”




            O segundo acontecimento se dá no quarto da empregada. Resolvida a arrumá-lo, muito ao contrário do que imaginava, G. H. o encontra limpo e organizado, e, pela observação de alguns detalhes, ela pensa um pouco mais apuradamente sobre a figura de sua ex-empregada cuja fisionomia inclusive lhe escapa momentaneamente. 
            No quarto antevê-se a revelação mais profunda, o total mergulho, a catarse. “Como explicar, senão que estava acontecendo o que não entendo. o que seria essa mulher que sou? o que acontecia a um G. H. no couro da valise? O que acontecia?"
        "Nunca saberei entender, mas há de haver quem entenda. E é em mim que tenho de criar esse alguém que entenderá.”
            Abrindo a porta estreita e emperrada do guarda-roupa, com algum esforço G. H. comprime seu rosto entre a brecha e bem perto de seus olhos vê uma barata.
            “Pela lentidão e grossura era uma barata muito velha. No meu arcaico horror por baratas eu aprendera a adivinhar mesmo a distância suas idades e perigos; mesmo sem nunca ter realmente encarado uma barata eu conhecia os seus processos de existência.”
            O imemorial” inseto, mais antigo que o homem neste planeta e muito mais resistente é o provocador do mergulho, o mergulho absoluto, o mergulho rumo ao desconhecido.
           
     

        “A Paixão Segundo G. H.” é o relato de uma comunhão, a mais ampla a mais ilimitada das comunhões. Uma comunhão onde a necessária confissão é simultânea, e, onde nem mesmo falta o simbolismo cristão da comunhão, lá representado de forma absolutamente sui generis. O segundo nome de “A Paixão Segundo G. H.” seria este: UMA COMUNHÃO!


Um comentário:

  1. Seu blog está perfeito para os amantes da leitura e para os que não são uma oportunidade para começar nesse universo de magias.

    Clarice Lispector- Só para Mulheres

    “Sejam vocês mesmas! Estudem cuidadosamente o que há de positivo ou negativo na sua pessoa e tirem partido disso. A mulher inteligente tira partido até dos pontos negativos. Uma boca demasiadamente rasgada, uns olhos pequenos, um nariz não muito correto podem servir para marcar o seu tipo e torná-lo mais atraente.
    Desde que seja seu mesmo.” (Helen Palmer)

    Clarise com o pseudônimo Helen Palmer

    ResponderExcluir